O problema é conhecido como fat bloom e normalmente acontece quando o consumidor deixa a barra de chocolate em um local inapropriado: no carro, sobre a mesa em que bate sol... Quando o chocolate derrete, a primeira coisa que se faz é colocar na geladeira. Aquelas manchas brancas que aparecem quando ele fica consistente novamente são resultado do afloramento da manteiga de cacau – é a gordura que migra para a superfície do chocolate.
No processo de solidificação do chocolate, na fábrica, a manteiga de cacau tem uma condição de resfriamento específica, chamada de têmpera. O produto passa por um pré-resfriamento controlado numa temperadeira para obter a forma cristalina adequada da manteiga de cacau, um tipo de cristal específico, chamado de Beta. Depois o chocolate é colocado no molde, ainda em forma líquida. Só então ele vai para o túnel de resfriamento, e é lá que acontece a solidificação quase completa da manteiga de cacau.
“Quando o chocolate está pronto, não pode sofrer mais oscilação de temperatura. A temperatura máxima que ele suporta é 25 °C. O fat bloom só acontece quando o chocolate é exposto a uma temperatura maior que essa”, explica Valdecir Luccas, diretor técnico substituto do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Cereais e Chocolate do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital).
O chocolate amargo é mais sensível ao fenômeno do fat bloom porque não leva leite, e a gordura do leite é anti-bloom. “O chocolate amargo é apenas liquor de cacau, açúcar e manteiga. Já o chocolate branco não tem o liquor. É só manteiga de cacau, açúcar e leite. E o chocolate ao leite tem tudo isso, mais o leite em pó. Então, o afloramento da gordura vai acontecer com mais intensidade no amargo, depois no ao leite e no branco. Sem contar que, nesse último, é mais difícil de ver.”
O liquor de cacau, explica Luccas, é a amêndoa da fruta, fermentada, seca, torrada e moída. “Quando se prensa esse liquor, extrai-se a manteiga de cacau. O que sobra é uma torta que se mói e de onde se obtém o pó de cacau natural.”
O fat bloom altera a textura, o padrão de derretimento e o sabor do chocolate (a pessoa, quando coloca na boca, vai sentir primeiro o sabor da manteiga de cacau), mas o produto não fica impróprio para consumo. O fenômeno acarreta apenas problemas visuais e sensoriais. O pesquisador diz que todo produto de base gordurosa está sujeito a fat bloom. “Todo produto de base gordurosa é cristalizado de forma específica e ideal na indústria. Em casa, o consumidor não tem controle. Pode ocorrer fat bloom em bolos, biscoitos... Só que o consumidor não vai perceber. No chocolate, ele percebe porque o produto é escuro.”
Segundo Luccas, existem alguns aditivos estabilizadores de formas cristalinas que dificultam o cristal de sofrer variações. Mas são caros. “Lá fora, algumas indústrias já usam esses aditivos, mas nunca vi na indústria brasileira.”
Ele diz ainda que, se deixado muito tempo na geladeira, ou em qualquer outro ambiente úmido, o chocolate estará sujeito a outro fenômeno: o sugar bloom. “A umidade dissolve o açúcar da superfície do chocolate, a água evapora e sobram aqueles cristais de açúcar sobre o produto. Neste caso, ele também fica branco. E podem acontecer as duas coisas: se ele ficar na geladeira por longos períodos, podem ocorrer o fat bloom e o sugar bloom.”
Hoje em dia, já há tecnologia para desenvolver chocolates mais resistentes ao calor, para comercialização em regiões mais quentes. “As grandes indústrias fazem um produto padrão, não fazem linhas específicas. Aqui no Ital desenvolvemos muitos produtos, e sabemos que cada região tem um perfil de clima. Já é possível desenvolver um chocolate mais resistente para regiões mais quentes. Entretanto, ele não suporta mais que 33 °C. Passou disso, vai estar sujeito a derretimento.”
O derretimento só não acontece nessa temperatura se o produto não for de fato um chocolate, mas sim um similar, como os chamados “compounds”.
Bolores e leveduras – Outro problema, bem diferente do fat bloom e do sugar bloom, é o aparecimento de bolores e leveduras no chocolate. “Acontece muito em bombons recheados, quando esses recheios não são estáveis microbiologicamente por tempo muito grande. Cada recheio tem uma validade. Alguns valem um ano, como os dessas caixas de bombons compradas no supermercado, produzidas pelas grandes empresas. Agora, um chocolate artesanal, uma trufa, por exemplo, pode durar, no máximo 30 dias.”
Luccas esclarece que isso acontece, geralmente, porque nos chocolates industriais o recheio é de base gordurosa: eles não têm nenhum ingrediente que contenha muita água (o recheio é composto por ingredientes adicionados a uma gordura). Geralmente são ingredientes secos, seguros microbiologicamente, como amêndoas e afins. “Mas os recheios de base aquosa, que contêm ingredientes ricos em água, como creme de leite ou frutas, têm validades de dez, 15 dias, até no máximo dois ou três meses.”
No caso do desenvolvimento de bolores e leveduras, salienta Luccas, não se pode consumir o produto.
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