18/11/2019 - Alguns suplementos alimentares – para emagrecer, ganhar massa muscular ou melhorar o rendimento nos treinos esportivos e na academia – podem provocar efeitos bem diferentes daqueles pretendidos pelos consumidores. Pesquisa realizada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP com 230 amostras de suplementos alimentares revelou, em 15 delas, a presença de substâncias proibidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de figurar na formulação desse tipo de produto. Em outras 48 amostras, os rótulos dos produtos não acusavam a presença de substâncias permitidas pela Anvisa.
A quantidade de brasileiros que consome suplementos alimentares é considerável. Pesquisa realizada em 2016 pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad), com amostragem de mil domicílios em sete capitais brasileiras, revelou que os suplementos estavam no cotidiano de 54% dos lares, nos quais ao menos uma pessoa fazia uso de algum tipo de produto do gênero. Também segundo a Abiad, o mercado brasileiro de suplementos movimenta, atualmente, R$ 5,9 bilhões. São mais de 500 marcas, conforme os dados da Associação Brasileira das Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri).
Muitas substâncias são permitidas na composição desses suplementos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) lista 383 ingredientes fontes de nutrientes, substâncias bioativas ou enzimas; 249 aditivos alimentares e 70 coadjuvantes de tecnologia autorizados para uso na composição dos suplementos. Entretanto, há componentes cuja utilização nessas formulações, embora proibida, ainda são encontrados em produtos disponíveis no mercado brasileiro.
As evidências foram apresentadas na citada pesquisa, realizada no âmbito do Programa de Pós-graduação em Toxicologia e Análises Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (FCF/USP) e defendida em julho pela farmacêutica Idylla Silva Tavares. “Já tínhamos a desconfiança de que existiam suplementos nutricionais adulterados e com produtos farmacologicamente ativos. Nosso objetivo, então, era ter uma ideia da adulteração entre os suplementos disponíveis no mercado, no sentido de saber se continham substâncias farmacologicamente ativas que não constavam no rótulo dos produtos”, resume o professor Maurício Yonamine, da FCF/USP, que orientou o trabalho.
Os pesquisadores adquiriram, aleatoriamente, 230 diferentes tipos e marcas de suplementos, disponíveis em forma de pó (encapsulados ou não), em diversos lugares: lojas físicas, lojas virtuais, e até via “doação” (trazidos por pessoas que estavam usando um suplemento, souberam da pesquisa e sugeriram para análise amostras daquilo que estavam consumindo).
“Queríamos trabalhar com o que está disponível no mercado. Por isso, a escolha foi mesmo randômica: suplementos de proteínas do leite, de carboidratos, de aminoácidos... aqueles que são vendidos como termogênicos (e que alegam aumentar a taxa metabólica).... O que importava era estar disponível. Não obedecemos a um ranking dos mais vendidos ou critérios afins”, ressalta Yonamine, afirmando que, na maioria dos casos, os apelos dos produtos selecionados estavam relacionados a ganho de massa muscular, perda de peso e melhora no desempenho em caso de realização de exercícios físicos.
Segundo ele, a opção por uma amostragem randômica, com mais de 200 produtos, foi fruto da percepção de que a maioria dos trabalhos sobre o tema existentes no Brasil focava suplementos acerca dos quais já havia suspeita de adulteração e, geralmente, com amostragem pequena.
Resultados – Em uma resolução de julho de 2018 (RDC nº 243) a Anvisa lista os produtos proibidos na composição de suplementos alimentares. São eles: substâncias consideradas como doping pela Agência Mundial Antidopagem (WADA); substâncias sujeitas a controle especial, conforme uma portaria de maio de 1998; substâncias obtidas de espécies que não podem ser utilizadas na composição de produtos tradicionais fitoterápicos, conforme uma resolução de maio de 2014; e óleos e gorduras parcialmente hidrogenados.
Consultando a literatura sobre o tema, Idylla e seu orientador elegeram algumas substâncias para procurar nas amostras que adquiriram: estimulantes, anorexígenos, diuréticos, esteroides, anabolizantes e laxantes.
“Detectamos que 25% das amostras tinha algum componente daqueles que nos propusemos a encontrar e que não estava no rótulo, o que corresponde a 58 produtos em um universo de 230. Não é pouco, mas grande parte deles deu positivo apenas para a cafeína: 43 amostras. A cafeína é uma das substâncias que, pela lei, poderia estar no suplemento, mas deveria constar no rótulo. E não constava”, explicou Yonamine.
Até 2003 a cafeína ainda era considerada doping e fazia parte da lista de substâncias proibidas pela Agência Mundial Anti-Doping (WADA), na classe dos estimulantes. O atleta que tivesse mais de 12µg/mL (micrograma por mililitro) de cafeína na urina era considerado caso positivo de doping. Mas, como ela faz parte da nossa dieta, acabou sendo tirada da lista e hoje pode constar dos suplementos, desde que o rótulo acuse sua presença.
Em segundo lugar apareceu a sibutramina, utilizada no tratamento da obesidade. Das 230 amostras, 14 deram positivo para sibutramina – sendo cinco somente para essa substância e outras nove em que ela estava misturada com outro composto. “A sibutramina nos chamou a atenção porque ela não poderia estar ali, não vem de fonte natural nenhuma... É um composto sintético, um fármaco que já serviu como antidepressivo e que hoje não é mais utilizado com essa finalidade em alguns países. No Brasil, é uma substância controlada, vendida sob prescrição médica, um anorexígeno para tratamento da obesidade. Ela foi encontrada em concentrações muito variadas, dependendo da amostra. Algumas continham sibutramina em doses inclusive acima da terapêutica, que é de 10 miligramas diários, podendo chegar até 15 miligramas.”
Das nove amostras em que a sibutramina estava combinada com outras substâncias, em três delas foi encontrada furosemida, que é um diurético. Em outra, a fenolftaleína, um laxante proibido em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. As cinco amostras restantes acusaram a presença simultânea de sibutramina e cafeína.
“A sibutramina é um estimulante do sistema nervoso central. Alguns problemas cardiovasculares podem ocorrer por conta da ingestão indevida desse fármaco: taquicardia, aumento de pressão arterial... Se a pessoa tem problemas cardíacos, ela não pode tomar sibutramina. Ela é proibida como medicamento nos EUA e na Europa”, alerta Idylla.
Para Yonamine, a presença da sibutramina por si já é um problema. “Mas a combinação com a cafeína acarreta o que chamamos de sinergismo, pois são dois estimulantes: um potencializa os efeitos do outro.”
A fenolftaleína, um laxante, foi encontrada em duas amostras. Em uma delas, apareceu sozinha; em outra, combinada com a sibutramina. “A fenolftaleína é uma substância proibida pela Anvisa porque é comprovadamente um carcinogênico. Ela já foi utilizada como laxante no passado. Estava na formulação do famoso Lacto-Purga”, lembra o professor. Atualmente, o princípio ativo do Lacto-Purga é o bisacodil.
Idylla e Yonamine encontraram, ainda, um diurético em suas amostras: a furosemida, detectada em três suplementos. “Diuréticos são substâncias que fazem o indivíduo eliminar líquido; podem gerar hipotensão, perda de eletrólitos importantes... Também são compostos sintéticos”, diz a pesquisadora.
Para Yonamine, a presença dessas substâncias nos suplementos é uma atitude deliberada do fabricante para enganar o consumidor. “A pessoa acha que está tomando algo natural e que terá efeitos positivos, mas na verdade ela está sendo enganada e com riscos para sua saúde. É uma fraude.”
A boa notícia é que nas 230 amostras analisadas não foram encontrados esteroides e anabolizantes, substâncias que aumentam a massa muscular. “Imaginei mesmo que não fôssemos encontrá-los, porque são caros e não é vantagem para o produtor de suplementos inseri-los indevidamente em uma fórmula onde não deveriam estar e que será vendida a um preço mais baixo”, raciocinou Idylla.
Ela diz se preocupar especialmente com os suplementos cujo apelo é a perda de peso. “Um dos suplementos que testamos nos foi trazido pelo viúvo de uma moça que morreu repentinamente de uma parada cardíaca. Eram cápsulas. Encontramos sibutramina e, de acordo com o rapaz, ela estava tomando uma dosagem diária de 23 miligramas, quando o recomendado é, no máximo, 15 mg. Duas coisas chamam a atenção neste caso: primeiro, a alta dosagem; segundo, o fato de o suplemento ter sido indicado a ela por uma amiga, segundo o marido. Isso acontece muito, principalmente nas academias e ambientes de treino. É um problema sério.”
Regulação tardia – Foi somente em 2018 que o Brasil aprovou o marco regulatório dos suplementos alimentares. O processo de discussão na Anvisa durou cerca de dez anos, em várias rodadas, e culminou com a edição de seis normas e a revogação de outras tantas, substituídas pelas novas resoluções. Antes do novo marco, a menção a suplementos alimentares aparecia em normativas que abrangiam diferentes categorias, como produtos direcionados a atletas e gestantes, por exemplo.
Segundo a Anvisa, suplemento alimentar é um produto para ingestão oral, apresentado em formas farmacêuticas, destinado a suplementar a alimentação de indivíduos saudáveis com nutrientes, substâncias bioativas, enzimas ou probióticos, isolados ou combinados.
Além de listar as substâncias permitidas e proibidas na formulação desses suplementos, a Anvisa também estabeleceu limites mínimos e máximos para as quantidades de nutrientes, substâncias bioativas e enzimas para diferentes grupos populacionais.
Os benefícios à saúde e os apelos que podem constar na rotulagem desses produtos também foram estabelecidos em uma lista, sujeita à atualização periódica. Foram autorizadas 189 alegações relativas a 46 ingredientes. Um exemplo: a alegação de que a cafeína auxilia no aumento da capacidade de resistência e no desempenho de exercícios físicos é restrita aos suplementos alimentares cuja quantidade recomendada de cafeína seja de 200 mg, consumida uma hora antes do exercício.
De acordo com o novo marco legal, os produtos que já se encontram no mercado teriam um prazo de cinco anos para se adequar às novas regras. “Agora temos um marco que nos dá certa segurança, mas a fiscalização é um problema. Tanto que há adulterantes em alguns produtos, conforme constatamos. Ter um bom marco regulatório é fundamental, mas se não houver fiscalização, esse problema provavelmente persistirá”, acredita Idylla.
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