Aspartame: estudos mostram que não há necessidade de adotar mais restrições

Relatório divulgado pela OMS traz evidências limitadas de câncer em humanos; já o relatório do comitê misto da FAO/OMS mantém a orientação que a ingestão é aceitável em até 40 mg/kg de peso corporal. Para considerar o potencial cancerígeno do aditivo, professora da Unicamp considera que deve haver uma interpretação conjunta das duas análises.

Políticas públicas e legislação

O anúncio da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o potencial cancerígeno do aspartame assustou muitas pessoas e levou o Instituto Nacional do Câncer (Inca) a recomendar que se evitasse “o consumo de qualquer tipo de adoçante artificial”. No entanto, segundo a própria OMS, ainda não há evidências suficientes para confirmar o potencial cancerígeno deste aditivo, que é usado amplamente como substituto menos calórico para o açúcar.

Para chegar a essa conclusão, a OMS considerou um relatório publicado pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) em julho de 2023, que avaliou o aspartame pela primeira vez e o colocou no Grupo 2B de carcinogenicidade, dois grupos atrás da categoria em que há certeza de que um produto pode causar câncer.

 “O Grupo 2B considera que existem evidências limitadas de câncer no homem, ou evidências suficientes em modelos animais, ou fortes evidências de características de carcinogenicidade. Nesse caso, foram consideradas evidências limitadas no homem, em animais e nas características de carcinogenicidade. Na análise, foi considerado que há alguns estudos que apontam riscos mais significativos em animais, mas tanto a metodologia quanto os resultados desses estudos são questionáveis”, explica Adriana Pavesi Arisseto Bragotto, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp.

Evitar o consumo do aspartame é uma medida questionável também segundo análise do Comitê Misto FAO/OMS de Especialistas em Aditivos Alimentares (JECFA), que divulgou, em julho de 2023, um relatório em que manteve a sua avaliação anterior, realizada em 2016. “O objetivo do JECFA é verificar se a substância é segura para consumo, com base também em estudos de carcinogenicidade que, nesse caso, o órgão considerou não convincentes, ratificando, como já havia sido observado pela entidade em 1981, que o aspartame não tem nenhum potencial genotóxico [que provoca alterações genéticas, dando início ao câncer]”.

O JECFA considera que existe um valor de segurança para a ingestão do aspartame, que é de 40 miligramas por quilograma do peso corpóreo por dia. Segundo a Organização Panamericana da Saúde (OPAS), um adulto com 70 kg precisaria consumir 14 latas de refrigerantes de 350 mL, caso a tabela nutricional do produto apontasse uma quantidade de 200 mg de aspartame — o que corresponde a muitos produtos no mercado. “Esse é o parâmetro de ingestão segura em relação a algum potencial de toxicidade. Desta forma, com base nos dois relatórios, podemos dizer que não é necessário deixar de consumir ou proibir o aspartame, pois a ingestão da população está bem abaixo da quantidade considerada segura”, avalia Bragotto.

Segundo o JECFA, os quatro estudos analisados em seu relatório, que mostraram resultados positivos para carcinogenicidade em animais, são questionáveis. Isso porque foram notadas limitações no desenho, execução, relato e interpretação desses estudos.

Além disso, para Bragotto, a ideia do aspartame ser carcinogênico é, por si só, contraditória. “Quando ingerimos aspartame, durante a digestão, a substância passa por uma quebra e se transforma em fenilalanina e ácido aspártico, dois aminoácidos que ingerimos por vários alimentos. A fenilalanina é prejudicial somente para quem tem fenilcetonúria, condição em que o acúmulo desse aminoácido causa problemas neurotóxicos, pois a pessoa não possui a enzima fenilalanina hidroxilase”.

Bragotto estuda o assunto desde 2018 e passou a fazer parte do JECFA em 2023, após as reuniões sobre o aspartame. A pesquisadora considera que deve haver uma interpretação conjunta dos relatórios das avaliações conduzidas pelos diferentes comitês em relação ao aditivo. “A OMS anunciou de forma ampla os resultados da IARC pois foi a primeira vez que o órgão avaliou o produto, não porque é necessário tomar medidas para preveni-lo ou restringi-lo”.

Amplamente utilizado – O aspartame é conhecido como um edulcorante de alta intensidade, um substituto do açúcar com baixo ou nenhum teor calórico. Ele está presente em bebidas, doces e nos mais diversos produtos diet, light ou zero açúcar. Em levantamento de 2022 realizado por Bragotto, publicado na revista Food Research International, foram identificados 1.869 alimentos com edulcorantes no Brasil — 13,7% deles com aspartame (o terceiro edulcorante mais utilizado). “Para estarem disponíveis à população, todos os edulcorantes foram autorizados pela Anvisa com base em avaliações do JECFA, que os consideraram seguros”.

Com medidas voltadas para a redução do consumo de açúcar sendo cada vez mais aplicadas em todo mundo, a tendência, segundo Bragotto, é de uma leve alta no consumo dos edulcorantes como um todo. “Foi o que se observou no Chile após a introdução de um novo modelo de rotulagem de alimentos semelhante ao recém-implementado no Brasil. Na ocasião, isso levou os produtores a substituir o açúcar por edulcorante”.



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