Uma pesquisa do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center) concluiu que a aplicação de micro-ondas no tratamento do leite humano é mais eficaz do que outras técnicas existentes. Por essa técnica, mostra a pesquisa, há menos perdas nutricionais, mas se mantém a capacidade de inativar micro-organismos patógenos eventualmente presentes no alimento. O estudo tem aplicação em bancos de leite humano, que utilizam processos de pasteurização para conservação e garantia de qualidade do alimento doado pelas mães e que é distribuído para mulheres que não conseguem amamentar seus bebês.
Além de promover e apoiar o aleitamento materno, os bancos de leite (BLHs) têm por função coletar e distribuir leite humano de qualidade para serem consumidos por bebês cujas mães, por alguma razão, não conseguem amamentar os filhos. Em 2016, os BLHs de todo Brasil distribuíram um total de mais de 138 mil litros de leite humano proveniente de mais de 173 mil doadoras. O Brasil tem 220 unidades cadastradas como bancos de leite humano, que formam a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH-BR), coordenada pela Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). Um deles é gerido pelo Hospital Universitário da USP, que concedeu amostras de leite humano para a pesquisa.
“A importância do aleitamento já é bastante conhecida. O leite humano oferece proteção imunológica, contém substâncias biologicamente ativas e é rico em nutrientes, o que é positivo para a saúde dos bebês, mas também torna o leite um ambiente ideal para micro-organismos patogênicos, daí a necessidade da pasteurização”, explica a doutoranda do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) Juliana Aparecida dos Santos Leite, que desenvolveu a pesquisa “Impacto do processo térmico assistido por micro-ondas sobre a funcionalidade do leite humano”.
A existência de patógenos no leite doado está relacionada à saúde e higiene da lactante doadora, às condições de armazenamento do leite a ser doado nas suas residências até a chegada da equipe dos BLHs que recolhem o produto, e aos equipamentos de armazenamento nos bancos e ao meio ambiente, de forma geral. Para eliminar esses micro-organismos, são empregados processos de pasteurização, também usados no leite de vaca para consumo humano, nos quais se promove um aquecimento seguido de um resfriamento do leite, utilizando-se tanques e sistemas como os pasteurizadores de placas.
Dois métodos são os mais utilizados: a pasteurização lenta, chamada de Holder ou LTLT (Low Temperature, Long Time ou temperatura baixa, tempo longo), na qual o leite é aquecido em temperaturas na faixa de 62° a 63° Celsius durante 30 a 35 minutos; e a pasteurização rápida, com aquecimento na faixa de 72° a 75° Celsius, durante 15 a 20 segundos, também conhecida como pasteurização HTST (High Temperature, Short Time, ou alta temperatura, tempo curto). “Em geral, esses tratamentos térmicos causam perdas de qualidade sensorial e nutricional, então a ciência vem buscando alternativas para evitar esses processos”, aponta.
Segundo a pesquisadora, apesar de eficiente, esses métodos acarretam a degradação de vitaminas e desnaturação das proteínas do soro, por exemplo. Alguns estudos já mostraram que a utilização de outros tratamentos térmicos apresentou vantagens em relação aos processos térmicos convencionais, quando se tratou de leite de vaca. Juliana decidiu, então, estudar o processamento térmico assistido por micro-ondas, mas aplicado ao leite humano.
O objetivo do estudo foi aplicar um processo de aquecimento descontínuo por micro-ondas para encontrar um processo alternativo para minimizar as perdas nutricionais e ser eficiente do ponto de vista da eliminação de micro-organismos. A pesquisadora avaliou o impacto desse processo sobre a composição de ácidos graxos, minerais (cálcio, cobre, ferro, fósforo, potássio, sódio e zinco), compostos bioativos (imunoglobulinas, lactoferrina e oligossacarídeos) e sobre a inativação de micro-organismos patogênicos como bactérias mesófilas, Salmonella, Staphylococcus e coliformes totais.
No estudo, Juliana analisou a atividade de uma enzima específica presente no leite, a fosfatase alcalina (ALP), utilizada pela indústria para indicar a eficiência da pasteurização. Por ser uma enzima termo sensível, mas mais resistente ao calor do que outros micro-organismos, presume-se que, se foi obtida a inativação da ALP, o processo também destruirá outras espécies menos resistentes ao tratamento térmico.
Ela testou diversos tempos e temperaturas de aplicação do processo de aquecimento micro-ondas. Um dos focos do trabalho de pesquisa foram os chamados estudos das propriedades dielétricas do leite. “Elas fornecem informações sobre como os materiais interagem com a energia eletromagnética durante o aquecimento”, explica.
Unindo esses dados às obtidas sobre as propriedades térmicas e físicas, foi possível determinar o comportamento do alimento quando submetido ao tratamento térmico por micro-ondas. Como resultados, ela chegou ao que seria a condição ótima. As condições que propiciaram os melhores resultados no tratamento térmico do leite por micro-ondas, utilizando-se equipamento de bancada de laboratório para processamento de pequenas quantidades de leite, indicam que o aquecimento a 60° Celsius por 30 segundos foi eficiente para a inativação dos patógenos Staphylococcus aureus e Salmonella e preservou o perfil de ácidos graxos em leite humano.
Além disso, o tratamento térmico assistido por micro-ondas resultou em menores perdas de compostos bioativos importantes, como as imunoglobulinas, quando comparado ao processamento térmico convencional (Holder), utilizado nos Bancos de Leite Humano (BLH), demonstrando que pode ser considerado uma tecnologia alternativa para o processamento de alimentos líquidos.
Para fazer os testes, a pesquisadora precisou fazer adaptações a equipamentos laboratoriais, não usando os aparelhos convencionais de micro-ondas. “Por isso, os resultados desse estudo não são válidos para uma aplicação pelas mães em suas residências, por exemplo”, explica a orientadora da pesquisa, Carmen Tadini, pesquisadora do FoRC e professora do Departamento de Engenharia Química da Poli-USP.
“Como não é possível para uma mãe, em sua residência, controlar elementos como a temperatura efetiva que está sendo utilizada no aquecimento, dada a variação da energia nas residências, nem o processo de agitação do leite no recipiente, não podemos recomendar para as pessoas aquecerem o leite em micro-ondas convencional a 60° Celsius por 30 segundos e garantir que isso é eficiente”, acrescenta Juliana.
Apesar disso, os resultados podem ser futuramente aproveitados pelos próprios bancos de leite. “Essa pesquisa traz as bases para que se construa um protótipo que permita o aquecimento do leite e seu resfriamento rápido, dentro dos parâmetros que Juliana aferiu como sendo os mais eficientes para o tratamento térmico do leite”, aponta Tadini.
Isso seria um ganho para os BLHs porque eles poderiam processar vários frascos de leite humano de uma só vez – hoje isso é feito em pequenas quantidades, dando menos agilidade na operação e disponibilização de leite para os bebês. Juliana recomenda, ainda, que sejam feitas avaliações in vivo após a construção desse protótipo, de forma que se possa estudar a eficácia do processo analisando-se posteriormente os eventuais ganhos para os bebês alimentados pelo leite processado por essa técnica.
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Imagem: Pixabay/Creative Commons
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