Alimentos transgênicos: vantagens, riscos e mitos

“Comer genes” faz mal? Há perda de biodiversidade e aumento do uso de agrotóxicos? Pesquisadores esclarecem informações sobre a tecnologia e explicam como esses alimentos são controlados em termos de biossegurança.

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11/12/2020 - Cercados de dúvidas, os alimentos transgênicos – ou geneticamente modificados – são produzidos a partir de técnicas de engenharia genética, que consiste em inserir genes específicos de um organismo em outra espécie ou, em métodos mais modernos, fazer a edição do DNA da planta, sem a transferência de um gene de outra espécie. O objetivo é favorecer o cultivo e a produtividade do alimento, promovendo, por exemplo, resistência a herbicidas e pragas. 

Um exemplo é a soja transgênica, que ocupa 90% dos 31 milhões de hectares com cultivo de soja no Brasil. Essas plantas são modificadas para resistirem ao glifosato, um dos herbicidas mais utilizados na agricultura para controle de ervas daninhas; a modificação genética permite que a planta não seja afetada pelo herbicida (algo que pode ocorrer com a soja convencional), mas apenas a erva daninha.

Há também o milho transgênico, predominante no país, que é resistente a insetos. Nesse caso, o gene de uma bactéria foi introduzido no milho para que ele passasse a expressar uma proteína que é tóxica apenas para os insetos alvo. Segundo o professor Franco Lajolo, pesquisador do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC), embora a tecnologia ainda cause desconfiança em alguns consumidores, dados da literatura científica dos últimos 25 anos não demonstraram efeitos nocivos à saúde humana ou animal. Pelo contrário, os estudos reforçam o seu potencial para aumentar a produtividade agrícola e melhorar a qualidade dos alimentos. “É possível desenvolver sementes que resistam à salinidade ou a terrenos com pouca água, por exemplo; cultivar frutas que produzam mais determinado composto bioativo ou nutriente, ou até reduzir o uso de pesticidas, beneficiando os trabalhadores do campo e o consumidor”.

Em relação ao milho transgênico, por exemplo, Lajolo cita um artigo publicado por pesquisadores italianos na revista Scientific Reports em 2018 – uma meta-análise de dados de 6 mil estudos publicados em 21 anos sobre os impactos agronômicos, ambientais e toxicológicos dessa cultura. Os resultados demonstraram que o milho geneticamente modificado teve um rendimento de grãos até 24,5% maior do que o tradicional, além de apresentar 28,8% menos micotoxinas (toxinas produzidas por fungos que atacam os grãos). O estudo também confirmou a redução da presença dos insetos alvo e, principalmente, não mostrou efeitos nocivos a outros organismos.

Riscos à saúde e relação com agrotóxicos – Uma das primeiras – e mais equivocadas – críticas aos alimentos transgênicos foi que eles conteriam DNA e, por isso, fariam mal à saúde. “Trata-se de uma informação distorcida”, afirma Lajolo. Da mesma foram que os organismos humanos, as plantas são formadas por células que, por sua vez, possuem genes que compõem o material genético. Ou seja, nós consumimos DNA todos os dias. “Os genes dos alimentos não são incorporados ao nosso organismo quando consumidos; são degradados, digeridos. Não são prejudiciais à saúde”, esclarece ele.

Outra questão debatida, essa sim com fundo de razão, é o uso excessivo de pesticidas, especialmente no caso da soja transgênica resistente ao glifosato, composto que já foi relacionado ao desenvolvimento de doenças. Em 2017, cerca de 173 mil toneladas de produtos com glifosato foram vendidas no Brasil. A substância é utilizada no país desde a década de 1970, mas ganhou força após a produção da soja transgênica. Em 2004, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aumentou o limite máximo de resíduo de glifosato na plantação de soja de 0,2 para 10 mg/kg. Uma pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz publicada em 2017 aponta que, entre 2000 e 2012, o uso total de agrotóxicos no Brasil aumentou 1,6 vezes. Nas plantações de soja, o aumento foi de três vezes. 

Segundo o pesquisador Flavio Finardi Filho, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e presidente substituto da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), esse aumento é justificável: antes da introdução de plantas geneticamente modificadas, o glifosato era empregado somente antes do plantio. “Além disso, se forem comparados os dados de área plantada de soja nesse mesmo período, nota-se que houve acréscimo de área plantada de 1,8 vezes, enquanto a produção subiu 2,12 vezes e com produtividade saltando de 2,75 ton/ha para 3,5 ton/ha”, acrescenta.

Para a geógrafa Larissa Mies Bombardi, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e autora do atlas Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia, existe uma correlação entre o aumento das plantações transgênicas e o aumento do uso do glifosato. “As plantas transgênicas resistentes a herbicidas são preparadas para recebê-los – só isso já explica o aumento do uso dessas substâncias. Além disso, mais de 90% da soja e mais de 80% do milho são transgênicos. E nós temos mais de 37 milhões de hectares de soja”.

A segurança do glifosato ainda é alvo de controvérsias. Um estudo da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) classificou o produto como “provável carcinógeno humano" em 2015. No entanto, um artigo publicado no Journal of the National Cancer Institute em 2018 acompanhou cerca de 50 mil trabalhadores rurais, avaliando a exposição a diferentes quantidades da substância, e não apontou relação com o aumento da incidência de tumores.

Ainda assim, o produto foi proibido ou teve seu uso limitado em alguns países, como Áustria e Alemanha. Segundo Bombardi, o resíduo de glifosato permitido na água potável do Brasil é cinco mil vezes maior do que o limite da União Europeia. “A licença do uso do glifosato na União Europeia termina em 2021 e a sua permanência no mercado está sendo discutida. A França já decidiu que a partir de 2022 a substância estará proibida no país”, acrescenta. 

Impacto ambiental – O risco à biodiversidade é outra preocupação que envolve os alimentos transgênicos. Segundo o pesquisador Antonio Figueira, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) da USP, a perda de biodiversidade é evidente quando comparamos uma cultura transgênica com a vegetação natural, mas o mesmo ocorre com uma cultura convencional. “Você retira a vegetação natural, que é diversificada, para plantar uma cultura. O impacto maior é da agricultura em si do que propriamente do cultivo transgênico. Se você compara um alimento transgênico e uma cultura agrícola tradicional, a diferença é muito pequena e, em alguns casos, o impacto do transgênico pode ser muito menor”.

A contaminação de espécies próximas também pode ocorrer. Por meio do vento, da chuva, pássaros e insetos, o pólen de plantas transgênicas pode ser levado para outras plantações, resultando no fluxo gênico – transferência da característica genética de uma planta para a outra. No entanto, Figueira esclarece que uma das regras para o cultivo de transgênicos é que deve ser feito em uma zona controlada e afastada de outras culturas. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável por avaliar a segurança dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), analisa, caso a caso, fatores como: possibilidade de cruzamento da planta transgênica com espécies relacionadas, probabilidade de dispersão dos genes através do pólen e possibilidade de produção de plantas invasoras.

Por outro lado, existem casos de plantas daninhas que adquirem resistência ao glifosato. “Como são seres vivos, que evoluem a qualquer prática que é utilizada frequentemente, algumas espécies de plantas daninhas responderam ao processo de pressão de seleção imposto pelo glifosato”, explica o professor Pedro Jacob Christoffoleti, do Departamento de Produção Vegetal da Esalq-USP. Para controlar as espécies resistentes, recomenda-se combinar o uso do produto com outro herbicida.

Avaliação de segurança – No Brasil, os produtos transgênicos precisam ser aprovados pela CTNBio através de critérios rigorosos. A comissão é composta por pesquisadores especialistas em diferentes áreas do conhecimento: médicos, farmacêuticos, engenheiros, agrônomos, veterinários, biólogos etc. De acordo com Flavio Finardi Filho, presidente substituto da CTNBio, a comissão analisa se o alimento é seguro para a saúde humana e animal e para o meio ambiente. Após a comprovação da segurança, cabe ao Conselho Nacional de Biossegurança e às agências reguladoras, como a Anvisa, liberar o produto para comercialização.

O pesquisador destaca que a atuação da CTNBio se estende a outros produtos, como vacinas para animais, que ajudam a prevenir doenças com alto índice de mortalidade em porcos e aves, por exemplo. “Muitas pessoas não sabem, mas várias dessas vacinas são geneticamente modificadas. Outro exemplo são leveduras modificadas que aumentam a produção de etanol de 2ª geração. São várias as vantagens que a tecnologia apresenta”.

Principais mitos sobre os alimentos transgênicos

1) Alimentos transgênicos possuem menos nutrientes
Segundo o pesquisador Franco Lajolo, do FoRC, o que pode provocar uma variação na composição nutricional dos alimentos são as características da área de cultivo, como a temperatura, características do solo e o volume de chuva. “Isso acontece na mesma medida tanto com a cultura natural quanto com a transgênica”, afirma.

2) Os genes consumidos fazem mal à saúde
Todos os organismos são compostos por células, que contêm genes que formam o seu DNA. São os genes que caracterizam os alimentos – por exemplo, o tomate produz licopeno, um composto bioativo antioxidante, porque possui genes para essa produção. Há DNA em quase tudo que comemos e nada disso prejudica a nossa saúde.

3) Os transgênicos não apresentam nenhum benefício
A tecnologia, que já é utilizada há mais de 25 anos, possibilita o cultivo de plantas resistentes a uma série de condições adversas, como herbicidas, pragas, seca, salinidade do solo etc., contribuindo para aumentar a produtividade e reduzir o uso de agrotóxicos. Sua eficácia é comprovada por estudos científicos e não existem evidências de efeitos nocivos à saúde humana ou animal.

4) Esses alimentos causam câncer
Não existe nenhuma evidência científica relacionando especificamente o consumo de alimentos transgênicos ao desenvolvimento de câncer ou outras doenças. Antes de serem aprovados, todos são testados em relação à toxicidade e outras reações adversas. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara, esses alimentos são tão seguros para o consumo quanto os convencionais. 

5) Culturas transgênicas são mais prejudiciais ao ambiente
Como explica o pesquisador Antonio Figueira, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) da USP, a perda de biodiversidade é consequência da agricultura de modo geral, seja uma cultura convencional ou transgênica. Além disso, todas as plantas transgênicas passam por uma avaliação criteriosa na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) antes de serem aprovadas.

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