30/09/2020 - Grumixama, cereja do Rio Grande, cambuci, uvaia: já ouviu falar dessas frutas? Talvez maracujá, abacaxi e goiaba estejam mais presentes no seu dia a dia. Essas são algumas das centenas de espécies de frutas nativas do Brasil, ricas em nutrientes e compostos bioativos. Estima-se que o país tenha entre 200 e 300 espécies, porém apenas algumas ganharam popularidade.
Um bom exemplo é o açaí, nativo do Norte e destaque da fruticultura amazônica. O fruto faz parte da refeição diária da população regional e acabou fazendo sucesso no mundo, tornando-se comum em quiosques de praia, shoppings e sorveterias. Originalmente, o açaí é consumido na forma de polpa grossa e fresca batida, junto com farinha de mandioca. Já o açaí popular é uma mistura congelada do fruto com guaraná, açúcar e água.
Mas por que outras frutas não ganharam o mercado como o açaí? Segundo a engenheira agrônoma Florence Castelan, pesquisadora da empresa Grão, a maioria das espécies nativas carece de informações em todos os elos da cadeia produtiva. “Desde aspectos agronômicos, que visam a domesticação da espécie – como material genético adaptado, métodos de propagação e tratos culturais – até aspectos econômicos, para predizer o seu potencial financeiro e convencer um fruticultor a apostar nessa cultura”, explica.
Outro problema é a falta de tecnologia pós-colheita. “Muitas dessas frutas, principalmente as da Mata Atlântica, são consideradas não-climatéricas, ou seja, não amadurecem após a colheita. Elas devem ser colhidas já em seu ponto ideal de maturação, dificultando sua comercialização in natura”.
No caso do açaí, a pesquisadora explica que a cultura do extrativismo e consumo da fruta está presente desde antes da chegada dos colonizadores e persiste até hoje, como componente majoritário da alimentação da população. Já existia uma cadeia, que foi transformada e acompanhada de muito investimento em tecnologia. “O mix de açaí possui um alto valor nutricional e é uma ótima combinação com frutas, castanhas e cereais. Essa versatilidade e o seu forte apelo nutricional acenderam os holofotes dessa fruta para consumidores e empresas em geral”.
Domesticação dos frutos – Segundo o professor Angelo Pedro Jacomino, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), a maioria das frutas nativas está em estado silvestre. “As espécies que ganharam maior importância econômica passaram por trabalhos de melhoramento durante séculos. Qualidade nutritiva, sabor e rendimento são alguns dos aspectos estudados e melhorados durante o processo de domesticação”, afirma o pesquisador.
Jacomino coordena um projeto temático financiado pela Fapesp, com a participação de pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC) e de outras instituições, cujo objetivo é estudar algumas dessas espécies e tentar melhorá-las para viabilizar a sua comercialização. As frutas pesquisadas são cambuci, uvaia, grumixama e cereja do Rio Grande, nativas da Mata Atlântica. “Nós marcamos mais de 200 plantas dessas quatro espécies, que estão georreferenciadas e etiquetadas. Em seguida, colhemos e analisamos os frutos, e por fim selecionamos as plantas mais promissoras em termos de qualidade do fruto”.
Em equipes multidisciplinares, os pesquisadores estudam a fisiologia do amadurecimento dos frutos, técnicas de conservação, caracterização genética das plantas e a presença de compostos bioativos. O segundo passo da domesticação é cultivar todas as plantas no mesmo local, para que possam ser avaliadas nas mesmas condições. Por fim, as plantas com maior potencial nutricional e produtivo serão multiplicadas usando diferentes técnicas, por semente e por clonagem.
Outra pesquisa, fruto de uma parceria entre o FoRC, a Esalq e a empresa Grão, visa estabelecer cadeias produtivas com frutas da biodiversidade brasileira. “O projeto tem duas vertentes: prospecção de frutas nativas desconhecidas e desenvolvimento de ingredientes e produtos a partir de frutas nativas que já são um pouco conhecidas e que apresentam potencial de comercialização”, explica Florence Castelan, que também participa do estudo.Um dos produtos em desenvolvimento é um gel energético 100% natural, feito com açaí e cambuci, que funcionaria como alternativa ao gel de maltodextrina, suplemento utilizado por atletas durante exercícios de longa duração.
Benefícios à saúde – Uma importante característica das frutas nativas é a alta concentração de compostos bioativos, que podem trazer uma série de benefícios à saúde, como efeito antioxidante e anti-inflamatório. A professora Neuza Hassimotto, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e pesquisadora do FoRC, participa do projeto e ajuda a quantificar e caracterizar esses compostos. “As antocianinas, responsáveis pela cor vermelha, azul e roxa nos frutos, têm uma propriedade antioxidante e anti-inflamatória elevada. Isso poderia ajudar, por exemplo, a reduzir o risco de formação de placas de ateroma nos vasos sanguíneos, causada pela oxidação do colesterol LDL e relacionada a doenças cardiovasculares”.
Para verificar os efeitos benéficos dos frutos, são feitos testes in vitro e em animais. No caso da grumixama, por exemplo, os pesquisadores já observaram que a fruta é capaz de minimizar a resistência insulínica (pré-diabetes) em camundongos com dietas hipercalóricas. A equipe também chegou a fazer testes em humanos para avaliar a capacidade de absorção dos compostos bioativos da grumixama. Voluntários saudáveis consumiram o suco da fruta e posteriormente tiveram amostras de plasma e urina coletadas, que comprovaram a absorção.
Vale ressaltar que o consumo de compostos bioativos por si só não evita o desenvolvimento dessas doenças, e sim minimiza os riscos. “Nosso organismo tem sistemas próprios que modulam o processo oxidativo, inflamatório, presença de glicose no sangue etc. Mas se o forçarmos muito – por meio de hábitos alimentares, fumo, estresse –, os sistemas podem falhar. Ao aumentar a introdução desses compostos na dieta, você tem uma proteção contra esses mecanismos e eventualmente pode diminuir o risco ou atenuar a progressão dessas doenças”, explica a pesquisadora.
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