Resgate de hortaliças PANC, tradicionais da culinária brasileira, pode trazer mais variedade e valor nutricional às refeições

Para pesquisador da Embrapa, que cataloga espécies de Plantas Alimentícias Não Convencionais, muitas das hortaliças podem ser produzidas o ano todo e ter maior inserção comercial.

Você sabia?

04/07/2023 - Alface, tomate, cebola, cenoura e batata são algumas hortaliças que o mundo todo conhece e consome. No entanto, o que não é de conhecimento de todos é que o leque de hortaliças fáceis de serem plantadas em solo brasileiro e distribuídas em larga escala vai muito além daquelas que costumamos encontrar nos supermercados. Boa parte delas, ainda pouco conhecidas, recebe o nome de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), um grupo que reúne mais de 10 mil espécies, entre verduras, flores e frutas.

As PANCs são, em boa parte, plantas fáceis de cultivar e de baixo custo tecnológico, que eram tradicionais em determinadas regiões do país e algumas ainda o são, mas que foram com o passar dos anos sumindo dos quintais, das plantações e dos pratos dos brasileiros para serem substituídas pelas espécies mais conhecidas, a ponto de ser difícil de encontrá-las até nas grandes metrópoles. Estamos falando de espécies como a ora-pro-nóbis e a taioba, famosas na culinária mineira, o jambu, popular no Pará e no Amazonas, e o cuxá (vinagreira) no Maranhão.

Atuando na preservação das PANCs e em sua reintrodução em nossa agricultura, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) realiza, desde 2006, o trabalho de catalogar e colecionar essas espécies, desenvolvendo pesquisas agronômicas sobre elas e levando-as para as comunidades rurais e coletivos urbanos, ensinando os pequenos produtores a utilizá-las. “O campo das PANCs é muito amplo. Existem PANCs que levam dez anos para se desenvolverem e outras que nascem espontaneamente em poucas semanas no campo, como a beldroega”, afirma Nuno Rodrigo Madeira, pesquisador da Embrapa Hortaliças.

“É nessas espécies que podem ser produzidas de forma orientada que focamos o nosso trabalho fazendo estudos de espaçamento, adubação e manejo de condução [tutoramento, podas e colheitas sucessivas]. A ora-pro-nóbis, por exemplo, manejada em plantio adensado com podas sucessivas, começa a produzir com dois a três meses e produz cerca de 0,5 a 1,0 kg/m2 de folhas ao mês por um longo período”, destaca o pesquisador.

Produtividade o ano todo - Como resultado das pesquisas da Embrapa, que buscam desenvolver parâmetros para potencializar a eficiência no sistema de produção de PANCs, visando também uma melhor qualidade nutricional e sensorial das hortaliças, foi identificado que há nesses alimentos um enorme potencial produtivo no Brasil.

“A maioria das hortaliças PANC são adaptadas para o clima tropical de grande parte do Brasil, tanto no verão como no inverno, e por isso podem ser produzidas o ano todo. Enquanto as hortaliças mais consumidas, como alface, tomate e batata, são naturais de clima temperado, como o europeu, e por isso tem bom rendimento apenas em algumas épocas, e no ano todo em regiões de clima ameno como o Sul e parte do Sudeste e do Centro-Oeste”, explica o pesquisador. “Além disso, são mais exigentes em tratos culturais, sendo por isso mais dependentes de fertilizantes e outros produtos químicos, o que não acontece com as PANCs”, acrescenta.

Riqueza nutricional - Ainda há muito a ser descoberto pela ciência sobre as propriedades nutricionais das hortaliças PANC, tendo em vista que pesquisas sobre essas espécies eram incipientes no Brasil há duas décadas. No entanto, o que pode ser dito é que muitas das PANCs são ricas em proteínas e em minerais essenciais como o ferro e zinco. “A quantidade de proteínas e de ferro encontradas no caruru, por exemplo, é incomparável quando pensamos na alface, que além de ter baixa concentração de ferro, ainda contém mais água, o que reduz a quantidade de nutrientes”.

No entanto, de forma nenhuma isso significa que seja preciso substituir as hortaliças convencionais pelas plantas não convencionais. “Nossa proposta é enriquecer e diversificar a agricultura e a alimentação”.

Mercado gourmetizado e de nicho - Das 10 mil PANCs, cerca de uma centena delas podem começar a ter maior inserção comercial. Entretanto, existem diversas barreiras para que as PANCs se tornem populares. Apesar da demanda desses produtos ter crescido nos últimos anos, com o crescimento do vegetarianismo e o veganismo, e do interesse pela alimentação orgânica, a falta de conhecimento da população sobre essas hortaliças é a principal dificuldade.

“Além de retomarmos sua produção (antes mais concentrada em quintais), que foi deixada de lado nos últimos 60 anos, precisamos disponibilizar sistemas de produção viáveis para a realidade atual, geralmente junto a agricultores familiares, de base ecológica ou urbanos. É necessário promovê-las o máximo possível para que haja um movimento a fim de demandar do mercado um consumo mais consciente e diversificado de vegetais”.

Com a falta de conhecimento sobre as PANCs, o que ocorre é uma ‘nichização’ do mercado, principalmente quando as hortaliças são vendidas fora das regiões de onde elas são oriundas. “Trabalhamos pela popularização das PANCs, mas há uma tendência de gourmetização desses produtos para atender a uma pequena parcela dos cidadãos, que têm uma maior renda e buscam uma alimentação mais saudável, com preços muito acima do que poderia ser para trazer um retorno financeiro justo, havendo assim menos compradores que o mercado potencial quando se considera o preço justo”.

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