O amadurecimento das frutas é uma forma de sedução das plantas

Objetivo é garantir a perpetuação das espécies, atraindo dispersores para as sementes.

Você sabia?

Quando você compra uma fruta na feira ou supermercado, de forma consciente ou não, considera características como cor, aroma, sabor e textura do alimento na escolha. São os chamados atributos básicos de qualidade sensorial, ligados à sensação. Mas você sabia que está sendo, de certa forma, ‘seduzido’ pelos frutos para escolhê-los? Isso porque o amadurecimento das frutas é um processo biológico pelo qual as plantas procuram desenvolver características que atraem os dispersores de suas sementes – em geral os animais –, o que garantirá a perpetuação de sua espécie.

Todas as etapas do amadurecimento de uma fruta são reguladas para que a semente esteja ao alcance do dispersor somente quando estiver pronta para germinar. “Quando o fruto está verde, a semente ainda está se desenvolvendo, ou seja, o embrião ainda não está pronto para gerar uma nova planta. Daí o fruto em volta da semente ter características que não são atraentes, naquele momento, para o dispersor”, explica Eduardo Purgatto, pesquisador do FoRC e professor do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

Muitos frutos são verdes para passarem desapercebidos pelos animais, se confundindo com as plantas. Eles também regulam seu metabolismo para não produzir aromas que atraiam os agentes dispersores nos momentos iniciais de desenvolvimento da semente. O sabor do fruto não maduro é desagradável e sua textura é mais resistente para dificultar o consumo. Somente quanto atingir o momento em que a semente pode ser dispersada o fruto passará por uma série de processos metabólicos que vão torná-lo atraente. “Há um programa genético para o fruto amadurecer, ele modifica toda a sua bioquímica para isso ocorrer”, aponta.

Quando a semente está pronta para germinar, o fruto deixa seu papel de ‘protetor’ para atuar como um ‘sedutor’. Sua cor muda paulatinamente porque o fruto deixa de sintetizar clorofila, responsável pela cor verde, e passa a produzir carotenóides, que dão a variação de cores que vai do amarelo ao vermelho, ou as antocianinas, que produzem cores no espectro do roxo. A textura da fruta também muda porque altera-se a parede celular, formada por açúcares complexos, os polissacarídeos. Quando está amadurecendo, a fruta produz enzimas que tornam essas paredes mais ‘relaxadas’, e o fruto fica mais ‘mole’ para a mastigação.
Uma série de vias bioquímicas responsáveis por sintetizar açúcares, como glicose, frutose e sacarose, se ativam, enquanto as vias responsáveis pela produção de ácidos começam a diminuir sua atividade, mudando o sabor ácido da fruta verde para doce.

A adstringência, aquela sensação de “amarrar a boca”, é resultado da interação entre os taninos presentes no fruto e as proteínas presentes na saliva. O conteúdo de taninos diminui com o amadurecimento. A fruta também passa a produzir uma quantidade menor dos compostos voláteis de seis carbonos responsáveis pelo aroma ‘verde’, aquele que nos lembra “grama cortada”, e passa a prevalecer os aromas florais ou frutados, mais agradáveis e atrativos. Todo esse processo é regulado por hormônios produzidos pela própria planta. O principal deles é o etileno, presente em grande quantidade nas frutas climatéricas.
Mão do homem – O homem, com seu conhecimento e tecnologia, passou a selecionar os indivíduos mais ‘competentes’ nesse processo de maturação, de forma a produzir alimentos mais atraentes aos consumidores. Passou também a interferir no processo. Para frutas como a banana chegarem maduras aos consumidores, por exemplo, os produtores fazem a colheita quando ainda estão verdes, e aplicam o etileno para promover seu amadurecimento quando estão prestes a serem comercializadas, de modo a chegarem maduras na mesa do consumidor.

O uso do etileno para amadurecer as frutas data do começo do século XX e não traz riscos para a saúde humana. Os frutos que recebem o hormônio têm um visual mais uniforme e, portanto, passam melhor impressão ao consumidor. Até pouco tempo atrás, acreditava-se que esse fosse o único hormônio responsável pelo amadurecimento. Mas os pesquisadores já sabem que o processo é mais complexo. O etileno promove apenas parte das mudanças bioquímicas que os frutos precisam fazer para madurarem.

As auxinas, por exemplo, são hormônios que controlam o crescimento do fruto e não o deixam amadurecer enquanto a semente não está em um estágio capaz de gerar uma nova planta. “Em nossos experimentos com tomates, injetamos uma substância que bloqueia a ação desse hormônio e constatamos que a fruta amadureceu mais rápido”, conta.

“Sabemos, por exemplo, que é normal cair a produção de auxinas quando se eleva o de etileno, e que depois temos aumento do hormônio metil jasmonato. A produção de outro hormônio, o ácido abscísico, pode subir um pouco antes ou depois do aumento da do etileno”, aponta. O aumento do etileno promovido artificialmente pelos produtores não é acompanhado por esses processos de mudança que ocorrem em relação aos demais hormônios.

A Ciência ainda está por descobrir quais são os impactos desse ‘descompasso hormonal’. O grupo de pesquisa coordenado pelo professor Purgatto, por exemplo, descobriu que o metabolismo envolvendo a produção de aroma é o mais afetado quando se faz uma intervenção hormonal na fruta. “Em todas as pesquisas que fizemos, promovendo interferência nos hormônios, observamos que as alterações modificaram o aroma. Não sabemos ainda se o melhora ou piora, pois estamos estudando no momento apenas a parte bioquímica, mas futuramente vamos analisar a parte sensorial”, comenta.

Um estudo coordenado por Pugatto envolvendo o mamão trouxe indícios concretos. Quando o fruto recebeu o etileno para acelerar seu amadurecimento, os pesquisadores notaram que não houve sincronia com a produção do linalool, substância responsável pelo aroma típico do mamão. O fruto demorou mais para produzir esse composto. Resultado: o mamão estava com a aparência de maduro, mas não tinha o aroma esperado. “Ainda precisamos fazer muita pesquisa para investigar essas inter-relações e saber se podemos usá-las para melhorar a qualidade das frutas que consumimos e até para repensar o processo de aceleração do amadurecimento das frutas”, conclui.

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