Nova rotulagem de embalagens está em estudo na Anvisa

Você sabia?

05/02/2020 - Você já pensou em quanto tempo gasta lendo o rótulo de um alimento antes de colocá-lo no carrinho de supermercado? Pois é. Ninguém pensa muito nisso. Mas um estudo feito há poucos anos em uma universidade na Turquia, amparado por um experimento com base no movimento dos olhos de consumidores durante processos de compra de alimentos, mostrou que eles analisavam as tabelas nutricionais das embalagens de alimentos por menos de um segundo.

Nesse contexto, novas tendências de rotulagem frontal, como a front of pack labeling (FOP) são apostas no sentido de orientar consumidores para compras mais saudáveis, e incentivar fabricantes a desenvolver produtos mais nutritivos. “A FOP é uma forma de comunicação que tem sido amplamente disseminada por agências regulatórias internacionais. A estratégia já tem sido imposta na forma de legislação em vários países, como Chile e Equador. Porém, o parâmetro nutricional de cada país é diferente, assim como a forma de representação gráfica de front of pack no produto”, esclarece a nutricionista Juliana La Farina Rodovalho, que recentemente defendeu um trabalho sobre o assunto na Faculdade de Saúde Pública da USP.

No Brasil, uma consulta pública sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados feita pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) entre setembro de dezembro de 2019, está em fase de consolidação de resultados, e deverá brevemente indicar um caminho para a adoção da FOP em embalagens de industrializados. Trata-se da consulta pública 707/2019, que recebeu mais de 20 mil contribuições.

Histórico – A ideia de oferecer ao consumidor um resumo das características dos alimentos industrializados é mais antiga: em 1998, o governo do Reino Unido, em parceria com o Institute of Grocery Distribution (IGD), lançou o Guideline Daily Amounts (GDA), um modelo de tabela nutricional frontal que acabou se tornando uma iniciativa utilizada pela indústria ao redor do mundo, com lembra Juliana.

“O GDA também é um painel de sinalização frontal, porém menos chamativo. A FOP é um modelo de rotulagem mais apelativo, com menos chance de passar despercebido. Os selos que hoje países como Reino Unido, Canadá, Austrália, Coreia do Sul e Chile, entre outros, ostentam na parte da frente dos pacotes de alimentos industrializados nasceram da necessidade de ter alguma coisa que chamasse mais a atenção do consumidor para as características do produto.”

Juliana lembra que, no Brasil, um acordo voluntário da Associação Brasileira de Indústrias Alimentícias (ABIA), em 2009, resultou na publicação do guia padronizando para implementação de GDA, com informações nutricionais que devem ser incluídas (valor energético, açúcares, gorduras totais, gorduras saturadas e sódio) e uma lista de determinados produtos participantes da iniciativa.

Modelos – A pesquisadora avaliou o uso e as propostas de adoção de selos de front of pack labeling em onze países. E percebeu que a escolha de indicadores nutricionais para sinalização foi unânime entre as legislações analisadas. “Gordura saturada, açúcar e sódio foram incluídos nos modelos de todos os países”, apontou.

Segundo ela, o Reino Unido propõe a utilização de uma sinalização colorida na frente da embalagem, sendo similar a um semáforo “É um modelo já adotado em outros países, tendo em vista facilidade de compreensão do conteúdo nutricional. A representação por cores de semáforo também é adotada na Coreia do Sul e no Equador.”

Na França o modelo também é colorido (vai do verde ao laranja escuro), mas lembra uma régua, dividida em 5 quadrantes com letras de A a E, que representam notas a partir de cálculos contendo nutrientes e/ou ingredientes no produto. Na Itália, a sinalização é de uma cor só (azul), e o desenho lembra uma bateria. Na Austrália e Nova Zelândia, utiliza-se uma sinalização que traz, na embalagem, um determinado número de estrelas. Cada produto a ser comercializado deve conter no mínimo meia estrela (o máximo são 5 estrelas).

“O número de estrelas é determinado por um algoritmo criado para avaliar a quantidade de nutrientes em cada produto, dando uma nota a ele (The Health Star Rating Calculator). “O algoritmo da calculadora foi desenvolvido em consulta à Food Standards Australia/New Zealand e a outros especialistas técnicos e nutricionais”, explica Juliana.
Já o Chile adota selos em formato de octógonos pretos, uma sinalização considerada mais agressiva. “A mesma sinalização está sendo adotada no Peru.”

Modelo brasileiro – Ela esclarece ainda que os modelos de cada país foram estabelecidos a partir de estudos conduzidos ou contratados pelas agências regulatórias de saúde em nível nacional. “A Anvisa baseou proposta de FOP brasileira nos modelos chileno, peruano e canadense e, posteriormente, conduziu uma consulta pública, entre setembro e dezembro de 2019.”
A agência considera que o objetivo da consulta pública é aperfeiçoar a proposta regulatória. Assim, depois de encerrada a consulta, a equipe técnica da Anvisa agora está consolidando e analisando as contribuições recebidas. De acordo com a assessoria de comunicação da instituição, elas podem alterar a proposta apresentada, se a Anvisa avaliar que são alterações necessárias e pertinentes. Uma vez consolidado o relatório, o tema poderá ser pautado para deliberação da Diretoria Colegiada da Anvisa.
A lupa proposta pela agência reguladora brasileira, segundo Juliana, segue de perto a representação utilizada no Canadá, realçando os ingredientes do alimento que apresentam alto teor, conforme mostra a imagem abaixo:

LUPA

Fonte: Anvisa

“É preciso entender a população do país para elaborar um sistema de rotulagem que seja eficaz. No momento de optar por um modelo, é importante que sejam considerados elementos fáceis de compreender, relacionados a aspectos cotidianos familiares aos indivíduos”, argumenta Juliana.
Ela considera o modelo colorido como o melhor modelo de front of pack no contexto brasileiro, pois parte da associação, pelos consumidores, das três cores de semáforo de trânsito (verde, amarelo e vermelho) com as mensagens ‘liberado’, ‘atenção’ e ‘não avance’.

Algumas instituições brasileiras, como o Ibope e a Rede Rotulagem, sugeriram modelos coloridos, como este, por exemplo:

FAROL

Fonte: Rede Rotulagem

Para a Anvisa, a proposta apresentada para a consulta público, que traz a lupa no rótulo, representa a melhor solução à luz das evidências disponíveis e diante do cenário brasileiro. “A Agência entende que essa proposta traz um modelo isento, proporcional e eficiente para o alcance do objetivo regulatório. O resultado desse trabalho reflete todo o estudo realizado pela Anvisa nos últimos anos: o levantamento do cenário regulatório internacional, a revisão sistemática de estudos publicados na literatura científica e a condução de pesquisas com o consumidor brasileiro são exemplos das etapas percorridas”, afirmou a instituição por meio de sua assessoria de comunicação.

De todo modo, somente após a apresentação do relatório final da consulta pública é que será possível verificar se foram feitas alterações na proposta original.

Juliana e sua orientadora, a professora Flávia Mori Sarti, temem que, no Brasil, os símbolos pretos – sejam eles octógonos, triângulos ou outros, como a lupa – ‘desapareçam’ na embalagem. “As cores chamam muito mais atenção do que o selo preto, que pode vir a ‘sumir’ na embalagem. Mais ou menos como aconteceu com as imagens de doenças apostadas no verso dos maços de cigarro: eram alarmantes no início, mas aos poucos todos se acostumaram.”

Eficácia e obrigatoriedade – A nutricionista ressalta que o fato de se adotar uma sinalização mais chamativa na frente da embalagem de alimentos processados não é certeza de uma redução no consumo de produtos ricos em ingredientes que, ingeridos em quantidades altas, têm potencial para afetar a saúde humana.

“No Chile, onde foi conduzido um dos poucos estudos recentemente publicados sobre o impacto da sinalização nas escolhas dos consumidores, concluiu-se que, nas categorias que contemplam chocolates, balas e biscoitos, não foram identificados efeitos sobre a intenção de compra dos produtos contendo a FOP com os octógonos pretos.” Por outro lado, diz ela, ocorreu substituição de produtos nas categorias de cereais e sucos, ou seja, produtos voltados ao café da manhã. “Como esse estudo foi feito em 2019, e as normas chilenas passaram a vigorar em 2016, imagino que seja pouco tempo para monitorar uma mudança significativa de comportamento das pessoas.”

De acordo com Juliana, na Austrália a população achou a ação positiva, mas não há dados sobre redução de consumo de alimentos com altos teores de determinados ingredientes por conta da utilização dos selos. “É curioso notar que somente nos países da América Latina as normativas são obrigatórias. No Chile e no Equador as normas já estão em vigor. No Peru e no Brasil ainda não estão em vigor, mas a proposta é que a posição dos selos nas embalagens seja obrigatória também.”

Na proposta apresentada pela Anvisa para consulta pública, a adoção da rotulagem pela indústria se daria em etapas. “Os limites de açúcares, gorduras saturadas e sódio para a rotulagem frontal serão implantados em duas fases, com o estabelecimento de limites temporários e definitivos, com prazo de 42 meses até a completa implementação das medidas”, informou a assessoria de comunicação da instituição. 

A adoção das normas, segundo a agência, obedece ao seguinte esquema:

Esquema


Este foi o prazo apresentado na proposta de consulta pública, mas é necessário aguardar o relatório final da consulta para saber como a proposta ficou, de fato.


 

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