Não existe drink fit: o álcool é altamente calórico

Por ser tóxico, também não há quantidade segura para a sua ingestão, e a ressaca é uma intoxicação decorrente do uso nocivo da bebida.

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23/12/2022 - Exemplos não faltam do quanto o álcool é calórico: uma dose de 30 mL de uísque tem 165 kcal; uma taça de vinho com 100 mL tem 90 kcal; uma lata de cerveja, com 350 mL, tem 143 kcal (veja abaixo tabela completa). Obviamente que não será a bebida alcóolica sozinha que fará você engordar. Alimentação rica em gorduras e açúcares, associada ao sedentarismo, contam tanto ou mais. E nem sempre as pessoas bebem moderadamente, especialmente nas confraternizações e festas de final de ano.

“É comum dizer que o álcool possui as chamadas ‘calorias vazias’, porque não têm qualquer nutriente”, aponta a nutricionista Kristy Soraya Coelho, pesquisadora do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC). Ou seja, quando você ingere álcool, isso gera muita energia (1 g fornece 7 kcal) e pode promover o ganho de gordura corporal. Se ao ler isso você pensou em deixar de comer para beber em uma ocasião, de forma a não ganhar peso, tire já isso da cabeça. O álcool é tóxico e seus efeitos são potencializados quando o ‘estômago está vazio’, principalmente se abusar no consumo. Você poderá colocar mais em risco a sua saúde, sem contar os possíveis danos a pessoas próximas ou à sociedade.

                                                                         Calorias de bebidas alcóolicas

Tabela álcool calorias

*Drinks que podem ter o dobro de quantidade de líquido por causa da diluição da água do gelo.
Fonte: Tabela Brasileira de Composição de Alimentos


Os efeitos são bem conhecidos. Uma ou duas doses causa desinibição, sensação de bem-estar e relaxamento. Com três doses ocorre euforia, baixa resposta a estímulos e inadequação de comportamento. A partir da quarta há perda de coordenação e fala pastosa e, com mais doses, risco de amnésia e perda de consciência. Pode haver outras consequências também. O consumo pesado está associado a quedas, acidentes de trânsito, brigas, sexo desprotegido, entre outros.

Moderado X nocivo – Em primeiro lugar, não há uma medida padrão do quanto se tem de álcool em cada tipo de bebida. Isso varia de país para país, e nos rótulos das bebidas está expresso o teor de cada uma. No Brasil, o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) aponta que uma dose de bebida corresponde a 14 g de álcool puro, considerando os volumes e teores alcoólicos mais praticados aqui. Essa medida é importante porque serve de base para definir o que se chama de dose padrão e sua relação com consumo moderado ou nocivo.

Se uma dose padrão tem, em média, a 14 g de álcool puro, não é aconselhável exceder a uma lata de 350 mL de cerveja (5% de álcool), ou uma taça de 150 mL de vinho (12% de álcool), ou um copo com 40 mL de destilado (40% de álcool). Até porque não há uma quantidade segura para ingestão de álcool. De todo o modo, considera-se um consumo moderado uma dose padrão para mulheres e duas para homens, no máximo, por dia. Neste caso, o risco à saúde seria menor para pessoas saudáveis, sem pré-disposição para desenvolver doenças hepáticas ou sem vulnerabilidade genética para dependência do álcool.

O consumo nocivo ocorre quando se ingere acima desses limites. “E está associado a mais de 200 tipos de doenças, que podem levar meses ou anos para aparecer. No curto prazo, ressaca e episódios de amnésia. A longo prazo, dependência, danos cognitivos e alguns tipos de cânceres”, explica André Malbergier, psiquiatra da Faculdade de Medicina da USP em sua aula na disciplina “Álcool, Saúde e Sociedade”.

Mas e o vinho, não faz bem? Sim, para consumidores moderados. Existem estudos que indicam que os polifenóis do vinho são antioxidantes. Entre os benefícios, esses compostos ajudariam a diminuir os níveis do colesterol ruim (LDL), consequentemente diminuindo o risco de doenças cardiovasculares, por exemplo. “Mas isso, em hipótese alguma, deve ser usado como argumento para induzir uma pessoa que não bebe a beber”, ressalta o cardiologista Martinho Martinelli, da Faculdade de Medicina da USP, outro professor da mesma disciplina.

Vale lembrar que para gestantes, lactantes, crianças, adolescentes, motoristas e operadores de máquinas, a quantidade de álcool recomendada é zero!

Álcool no organismo – Quando você ingere bebida alcóolica, seu organismo tem que trabalhar muito para metabolizar o etanol e as substâncias derivadas dele no metabolismo. Depois de ser absorvido pelo estômago, duodeno e cólon, o álcool é distribuído pelo sangue no organismo. Órgãos importantes, como cérebro, coração e músculos, sofrem rapidamente seus efeitos. O fígado é um dos mais impactados. Cabe a ele metabolizar mais de 90% do álcool ingerido.

Segundo Malbergier, no fígado o álcool é convertido em acetaldeído pela enzima álcool desidrogenase (ADH). Como se trata de um composto tóxico, outra enzima, a aldeído desidrogenase (ALDH), converte o acetaldeído em acetato. Depois de vários processos, o álcool finalmente é eliminado do organismo, a maior parte pela urina. Todo esse ciclo pode levar de uma a três horas para apenas uma dose padrão. O quanto o organismo consegue processar de álcool depende de vários fatores (peso, sexo, idade, do funcionamento do fígado, por exemplo) e da quantidade dessas enzimas, explica Malbergier. Mulheres, por exemplo, possuem menor quantidade delas.

Ressaca tem cura? – Quando se bebe demais ou muito rapidamente, o fígado não consegue processar o álcool, o que leva à intoxicação. É a chamada ressaca. Não há consenso sobre os mecanismos nem a concentração de álcool no sangue em que ela ocorre, e, novamente, vários fatores influenciam, como sexo, peso e idade, contexto da ingestão (se a pessoa se alimentou, por exemplo) etc. O fato é que o organismo não conseguiu eliminar as toxinas. No dia seguinte aparecem sintomas como mal-estar, sede, tontura, náusea (os mais comuns), tremores, taquicardias e problemas gastrointestinais. E provavelmente a sensação de ter dormido mal, porque o álcool deixa o sono mais agitado e compromete os estágios mais profundos dele.

Segundo Murilo Battisti, pesquisador do GREA – Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, também professor da disciplina “Álcool, Saúde e Sociedade”, não há receita milagrosa para curar ressaca. Para amenizar os sintomas, deve-se beber muito líquido, repousar, ingerir frutas, hortaliças e alimentos com alto teor de carboidratos. E tem como evitar ressaca? Ainda segundo Battisti, não. Só redução de danos, bebendo água entre uma dose e outra; alimentando-se antes, durante e depois, além de não ingerir bebidas alcóolicas de baixa qualidade, pois elas podem conter outras substâncias tóxicas.

Mitos e verdades
• Eu bebo bastante, mas só nos finais de semana, e isso não faz mal. Mito: se consumiu nocivamente, você sofrerá as consequências do abuso.

• Misturar diversas bebidas alcóolicas é o que causa ressaca. Mito: o que causa é o consumo abusivo.

• Álcool inibe o hormônio que controla a reabsorção da água pelos rins. Verdade: é por isso que as pessoas urinam demais quando bebem em demasia.

• Cerveja preta aumenta produção de leite materno. Mito: o efeito pode ser o contrário.

• No sistema nervoso, o álcool afeta a memória. Verdade: progressivamente ele vai danificando as células nervosas.

• As vitaminas não são bem absorvidas em consumidores crônicos. Verdade: eles tendem a ter deficiência do complexo de vitaminas B, principalmente a B1, que é importante para o funcionamento do sistema nervoso.

• Consumo pesado de álcool pode levar à hipertensão, AVC, enfraquecimento e falência do coração, gastrite, úlcera, câncer de estomago, cirrose hepática e outros cânceres. Verdade.

Dados de consumo
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) – 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre consumo de álcool, mostram que 26,4% dos adultos costumavam beber uma ou mais vezes por semana (em 2013 eram 23,9%). Isso foi impulsionado principalmente pelas mulheres, cujo indicador passou de 12,9% para 17,0%, um aumento de 4,1 pontos percentuais. O consumo abusivo é maior entre homens (26,0%) do que em mulheres (9,2%).

Nas PNS de 2013 e 2019, verificaram-se maiores prevalências entre o sexo masculino, adultos de 18 a 39 anos, indivíduos com alta escolaridade, residentes em áreas urbanas, nas regiões Centro-Oeste e Sudeste e de raça/cor da pele preta. Em 2013, participaram da pesquisa 60.202 pessoas; em 2019, 88.531.

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (PAHO), no Brasil, considerando os variados teores alcoólicos presentes nos diferentes tipos de bebidas, a média de consumo per capita foi de 7,3 L de álcool em 2018. A média de consumo na população masculina foi de 11,7 L de álcool e, na população feminina, 3,2 L.
Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA).

Créditos: Além do auxílio de especialistas do FoRC, essa matéria foi feita com base nas informações da disciplina “Álcool, Saúde e Sociedade”, ministrada por professores da Faculdade de Medicina da USP, cujo aproveitamento do conteúdo foi autorizado pelo Portal de Videoaulas da USP.

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