Ingestão de selênio por machos obesos diminui a chance de problemas metabólicos na prole

Em animais na fase pré-reprodutiva, o mineral foi capaz de modular os padrões epigenéticos espermáticos, podendo atenuar as disfunções metabólicas da próxima geração.

Fronteira do conhecimento

24/08/2022 -- Estudo feito por pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC) da USP mostrou que a suplementação alimentar de selênio em camundongos, na fase pré-reprodutiva (puberdade e início da fase adulta), melhorou a fisiologia masculina no contexto da obesidade. Publicado na revista Antioxidants, o estudo foi coordenado pelo farmacêutico-bioquímico Thomas Ong, pesquisador do FoRC e professor do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), cujo trabalho vem sendo focado na epigenética. Trata-se de uma área que busca compreender as mudanças reversíveis na expressão gênica, não ligadas a alterações de DNA.

Fruto da tese de doutorado da nutricionista Gabriela Pascoal, o estudo consistiu na introdução de selênio na dieta de camundongos que apresentavam desregulação induzida pela obesidade, com alteração de parâmetros metabólicos, celulares e epigenéticos na gordura ou nos espermatozoides. Epigenética pode ser entendida como uma "camada" que interfere na interpretação dos genes, sem alterar o DNA. Modificações epigenéticas podem ser transmitidas ao longo das gerações. “Essa ‘camada’ pode ser fruto da má-nutrição e da exposição a poluentes, seja ela ocasionada pelo indivíduo ou pelos seus progenitores”, exemplifica Ong.

Os resultados mostram que a suplementação de selênio diminuiu significativamente o estresse oxidativo (incapacidade de o organismo eliminar radicais livres) e atenuou as alterações moleculares/epigenéticas no tecido adiposo do epidídimo (região dos testículos onde os espermatozoides são maturados) ou nas células espermáticas.

“A diminuição da inflamação e do estresse oxidativo na gordura próxima dos testículos foi um indicador de que o mineral conseguiu melhorar a fisiologia reprodutiva, o que poderia explicar a normalização da expressão dos genes dos espermatozoides. É uma prova de conceito de que essa pode ser uma terapia nutricional para ajudar a mitigar os efeitos da obesidade na epigenética dos espermatozoides e, com isso, potencialmente, diminuir as chances de os filhos desenvolverem alterações metabólicas”, afirma Ong.

O selênio é um micronutriente essencial com diversas funções no organismo humano, como regulação da tireoide, ações anti-inflamatórias e atividades antioxidantes. Cada vez mais, a relação entre selênio e doenças metabólicas (distúrbios causados por reações químicas inadequadas) vem sendo objeto de atenção na literatura científica, embora seu papel na obesidade ainda não esteja claro.

“Nesse estudo, em específico, conseguimos mostrar que esse micronutriente se mostrou capaz de ‘limpar a camada’ dos espermatozoides. Queremos agora aprofundar os estudos em animais para saber se o selênio, quando ofertado a futuros pais obesos, pode contribuir para a redução de risco do desenvolvimento de algumas doenças nos filhos, como cânceres e doenças metabólicas, a exemplo do diabetes”, complementa.

Quando intervir – Para que os filhos sejam saudáveis, é preciso garantir a melhor condição epigenética dos pais e das mães antes da gestação e fortalecer a condição das mães durante a gravidez. Desta forma, o momento de intervir também é fundamental. “É importante saber o momento em que os genes podem ser regulados positivamente. Por serem estáveis, o quanto antes isso se iniciar, melhor. São mais prováveis ainda as chances de conseguir mudanças antes da gestação e durante o início da vida, que inclui a vida fetal, neonatal, infância e adolescência, período em que as ‘camadas’ se encontram mais suscetíveis a mudanças”, afirma.

Além do selênio, existem outros micronutrientes que são importantes para controlar a ocorrência desses processos no organismo, inclusive no início da vida. Neste sentido, o ácido fólico (presente em vegetais verdes escuros, leguminosas, carnes, laticínios e frutas cítricas) e a vitamina B12 (encontrada em carnes e frutos do mar) se destacam.

Ong destaca que mais estudos serão necessários para estimar a quantidade de selênio que deve ser consumida para obter os resultados esperados. O pesquisador antecipa que a suplementação, provavelmente, não será a maneira mais indicada. “Como a aplicação em camundongos foi em doses não muito elevadas, penso que o ideal talvez seja nós consumirmos o selênio pela alimentação. Dessa maneira, seria importante realizar estudos clínicos em homens obesos relacionando o consumo de selênio via suplementação ou alimentação e o padrão epigenético em seus espermatozoides”.

Antes que as pessoas saiam buscando suplementação desse mineral, aqui vai o alerta do pesquisador. “O selênio pode ser encontrado em carnes, frutos do mar e, em grandes quantidades, na castanha-do-brasil (castanha-do-pará), e seus benefícios vão além do que encontramos em nossa pesquisa. No entanto, quando consumido em excesso, o selênio pode se tornar pró-oxidante, assim como as mudanças nos genes podem passar a ser negativas”, destaca. Ele explica que o consumo excessivo pode causar um aumento na proliferação de células e uma desregulação do metabolismo como um todo. Isso pode ter um efeito oposto ao que se espera, com o selênio passando a atuar como agente causador de estresse oxidativo, que é precursor de mais de 200 doenças diferentes. “Portanto, não devemos comer castanhas em excesso e com frequência, já que apenas uma dela já pode superar a dose diária recomendada de ingestão do mineral”, finaliza.


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