Comida caseira: uma estratégia para o combate de doenças crônico-degenerativas

Neste artigo, o farmacêutico e bioquímico José Fernando Rinaldi de Alvarenga, doutor em Alimentos e Nutrição, mostra como diversas técnicas culinárias, associadas a alimentos saudáveis, otimizam o valor nutricional dos alimentos, em especial os compostos bioativos.

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25/05/2022 - Cozinhar nos fez evoluir. O preparo dos alimentos influenciou a evolução do nosso sistema gastrointestinal, diminuindo a energia necessária para a digestão, o que tornou possível o desenvolvimento de um cérebro superior ao de outros primatas. Historicamente, a civilização humana desenvolveu diferentes técnicas culinárias para conseguir otimizar a extração de nutrientes de uma escassa fonte de alimentos. Durante muito tempo, alimentos foram cortados, macerados, fermentados, fervidos, assados..., técnicas pelas quais foi possível otimizar o aproveitamento de macro e micronutrientes e a obtenção de energia. Entretanto, o uso dessas técnicas culinárias e o preparo de refeições caseiras, feita a partir de ingredientes preferencialmente naturais, vem diminuindo a cada dia.

 
Desde meados do século XX, as pessoas passaram a cozinhar menos. A vida moderna requer alimentos semiprontos ou prontos para consumo, o que nos afasta da cozinha caseira tradicional, contribuindo para uma alta ingestão calórica que pode induzir a doenças relacionadas com a dieta, tais como diabetes e obesidade.


O incentivo a comida caseira vem sendo utilizado como estratégia para combater doenças crônico-degenerativas e a má alimentação. Estudos apontam que a comida caseira está diretamente ligada a um maior consumo de frutas e hortaliças, melhora na qualidade da dieta, e na diminuição do índice de massa corpórea. Pessoas que preparam suas refeições não apresentam apenas melhoras nas condições de saúde, mas também sociais, sendo mais próximas de sua identidade cultural, do convívio familiar e das relações interpessoais. Cozinhar em casa é mais frequente por razões sociais do que para si próprio. Todavia, esse hábito é dificultado com a restrição de tempo, as longas jornadas de trabalho, a falta de habilidades na cozinha e até por questão de gênero. O saber do cozinhar, passado de geração para geração, teve seu ciclo interrompido. As novas gerações estão perdendo esse aprendizado e toda a educação nutricional por detrás dele.


Para promover a cozinha caseira como estratégia dietética é necessário entender como a cozinha impacta o valor nutricional dos alimentos, em especial de compostos bioativos. Estudos revelam que diferentes técnicas culinárias influenciam o conteúdo de compostos bioativos que ajudam na promoção a saúde. Entretanto, precisamos de resultados mais sólidos nos estudos para elaborar recomendações. Não podemos pensar apenas em preservar esses compostos nos alimentos. Precisamos também, identificar como a estrutura e a biodisponibilidade desses nutrientes são afetados.

  
No caso de compostos apolares, como carotenoides e vitaminas lipossolúveis, ferver e cozinhar a vapor são as técnicas que melhor preservam esses compostos. Por outro lado, há uma perda considerável deles quando preparados no micro-ondas e fritos. Técnicas que utilizam o óleo para cozinhar, como o refogado e molhos, são interessantes porque extraem melhor os carotenoides dos alimentos e aumentam sua biodisponibilidade. Já para compostos polares, como os fenólicos, a cocção a vapor parece ser a mais indicada, uma vez que assar, ferver e preparar por micro-ondas diminuem sua presença nos alimentos. No cozimento, poderia haver uma perda, ainda que pequena, desses compostos, que se oxidam e são perdidos na água com a fervura.

 
Portanto, assim como variar os alimentos que consumimos é importante para obter diferentes fontes de nutrientes, variar as técnicas culinárias e as combinações delas em uma refeição podem ser importantes para evitar as perdas por alguns processos. É necessário destacar que a cozinha não pode ser apenas nutritiva. Deve levar em conta também o prazer sensorial. Não existe técnica melhor ou pior e sim a que nos traz prazer ao comer, aquela que nos remete à memória afetiva da receita preferida feita pela avó.


Mesmo com a evolução da pesquisa em alimentos e nutrição, informações na área de gastronomia e a caracterização das técnicas culinárias ainda não são prioridades. É necessário pensar que diariamente comemos alimentos cozidos, dentro ou fora de casa. Estamos a cada dia mais perto da nutrição personalizada e, em um futuro próximo, uma simples receita de molho de tomate poderá ser prescrita por uma nutricionista como ferramenta na promoção da saúde.

José Fernando Rinaldi de Alvarenga: É graduado em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" (UNESP), com doutorado em Alimentos e Nutrição pela Universidade de Barcelona, na Espanha. Atualmente, realiza pós-doutorado no Centrode Pesquisa em Aliemntos (Food Research Center – FoRC).

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