Capacidade de ganho muscular com treino de força pode ser a mesma, seja para onívoros ou veganos

Mas, como os alimentos de origem vegetal são menos densos em proteínas do que os de origem animal, veganos podem precisar de suplementação. É o que mostra uma pesquisa da USP.

Nutrição na medida

31/07/2020 - A discussão sobre as vantagens e desvantagens de uma dieta vegana, vegetariana ou onívora é sempre motivo de polêmica, muito por conta do argumento de que as proteínas de origem vegetal não teriam a mesma qualidade que as de origem animal. Isso se dá pelo fato de boa parte das proteínas vegetais serem deficientes em ao menos um aminoácido essencial, com exceções a exemplo da soja, considerada de alta qualidade por conter todos os aminoácidos essenciais.

Um estudo inédito concluído por um grupo ligado à Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) e à Faculdade de Medicina (FM) da USP demonstrou, no entanto, que diferentes fontes proteicas não impactam a capacidade de ganho muscular em indivíduos adultos que realizam programas de exercícios de força, contanto que eles recebam a quantidade diária de proteína recomendada para o seu perfil.

Papel da proteína – A proteína é um nutriente importante porque a regulação da massa muscular no indivíduo se dá por meio do balanço proteico, ou seja: a razão entre as taxas flutuantes de síntese e degradação proteica que ocorrem ao longo do dia. “O tempo todo degradamos e renovamos o tecido muscular. Quando as taxas de degradação e síntese se equivalem, o indivíduo está em um balanço proteico neutro, mas, se a balança pesar para um ou outro lado, significa balanço positivo ou negativo”, explica Hamilton Roschel, coordenador do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da EEFE/FMUSP.

“Se a pessoa mantém um balanço positivo ao longo do tempo, é natural que aumente também a sua massa muscular. Do contrário, se há mais degradação do que síntese ao longo do tempo, ela vai perder massa muscular. No cômputo geral, o que determina a massa muscular do indivíduo é essa relação”, resume Roschel.

A nutrição desempenha um papel fundamental no balanço proteico. Em particular, a presença de proteínas nos alimentos e, sobretudo, a composição delas em termos de aminoácidos, são determinantes para um balanço proteico positivo. “Entre os aminoácidos essenciais, a leucina tem um papel de destaque. A modulação da síntese proteica via alimentação se dá pelo teor de leucina. Ela é o gatilho para o fenômeno de construção da proteína, embora a disponibilidade dos demais aminoácidos também seja uma condição fundamental”, afirma.

Potencial anabólico – Segundo ele, é uma premissa bem resolvida na literatura científica que o potencial anabólico das proteínas vegetais é menor que o de animais. “Isso quando se compara a mesma quantidade de proteínas, por exemplo: 20 g de proteína derivada do leite com 20 g de proteína da soja. Há menos leucina na proteína da soja.”

Se a proteína de origem vegetal é inferior, em termos de estímulo de anabolismo muscular, será que o indivíduo que se alimenta exclusivamente de vegetais tem mais dificuldade para ganhar músculos? “Atingido o quanto se necessita de proteína, a fonte parece não fazer diferença”, responde Roschel.

É o que mostra essa pesquisa inédita coordenada por ele. No estudo, foram avaliados indivíduos onívoros e veganos, do gênero masculino, equiparados em idade, força, massa muscular, entre outras características. Os participantes tiveram a dieta equalizada para que recebessem 1,6 g proteína/kg/dia, que é o preconizado pela literatura para quem realiza treinos de força. Os veganos foram suplementados com proteína vegetal e os onívoros com proteína animal, de forma a complementar as suas dietas habituais e atingir a quantidade de proteína ingerida preconizada (1,6 g/kg/dia). Depois, iniciaram um programa de treino de musculação de 12 semanas – 2 vezes por semana, entre 40 minutos e 1 hora por dia –, com aumento gradual da carga de treino ao logo das semanas. Após esse período, foram avaliados a massa e a força muscular dos indivíduos.

“Fizemos análises macroscópicas, como composição corporal por densitometria, por dupla emissão de raios-X (DEXA); e microscópicas, como a mensuração da área de fibra muscular de um músculo da coxa, retirado por biópsia. Realizamos ainda avaliação da área de secção transversa do vasto lateral e do reto femoral, ambos músculos da coxa, por ultrassom. Esses procedimentos foram realizados antes e depois do treino e da dieta. Além disso, analisamos o ganho de força.”

No artigo resultante do estudo, que tem como primeira autora a pesquisadora Victoria Hevia-Larraín, a equipe mostra que os dois grupos ganharam tudo exatamente na mesma magnitude: não houve nenhum prejuízo nos indivíduos veganos em ganho de força e massa muscular com o programa de treino, apesar de a proteína da dieta deles ter sido 100% de origem vegetal. Nos onívoros, 80% da proteína ingerida era animal.

E com a comida? – Os resultados dessa pesquisa, no entanto, foram obtidos em um modelo experimental, com suplemento alimentar. E com alimentos, é possível atingir o mesmo resultado? Bem, até é, mas para os veganos será muito mais difícil obter quantidades elevadas de proteína, porque os alimentos vegetais têm menor conteúdo de proteínas do que os animais.
“O vegano terá que comer um volume muito maior de alimentos para obter a mesma quantidade de proteína, o que vai, muito provavelmente, implicar em mais calorias, carboidratos, gorduras, fibras etc, e tornar o planejamento alimentar um tanto mais complicado, porém não impossível”, afirma Roschel. (Veja, nas tabelas abaixo, a quantidade de proteínas e energia presentes em alimentos de origem vegetal e animal).

Tabela proteína 1

tabela proteína animal correta

Suplementos veganos – Nesse sentido, diz Roschel, os suplementos veganos têm um papel bastante interessante para essa população. Há diversos tipos no mercado, geralmente à base de proteínas do arroz, da soja e da ervilha, na maioria das vezes em forma de pó. Há também outras opções, como pasta de amendoim, por exemplo.

“O que se sabe hoje é que dietas veganas são absolutamente passíveis de serem completas ou de atenderem muito bem às necessidades do indivíduo, mas isso não é simples do ponto de vista da nutrição. É necessário um planejamento alimentar muito bem feito, com acompanhamento de um especialista. A pessoa sozinha dificilmente tem esse grau de educação nutricional e o conhecimento necessário para fazer as escolhas certas para que nada lhe falte.”

Ele reitera, pela literatura existente sobre o tema, levando em conta valores médios populacionais, que os veganos tendem a ser mais magros que os onívoros, a ter circunferência de cintura menor e um perfil lipídico melhor. Porém, podem potencialmente apresentar deficiência das vitaminas B12 e D, e menos ômega 3.

“Até nesse sentido, os suplementos são interessantes para complementar possíveis deficiências encontradas em indivíduos que optem por uma dieta desse tipo, independentemente de praticarem exercícios físicos ou não. Se a pessoa pratica exercícios físicos, a proteína vai ser ainda mais importante porque ela vai ter maior demanda por proteína na dieta. Resumindo: atingir os níveis de proteína necessários em uma dieta nunca é muito simples quando o indivíduo é vegano. É possível, mas não é simples. Assim, acreditamos que esses suplementos têm relevância em termos de prática clínica nutricional.”

Curiosidade:
De acordo com o Institute of Medicine, da US National Academy of Sciences, o consumo recomendado de proteína para a população em geral, não praticante de exercícios físicos, é 0,8 g/kg/dia.

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