Agroecologia favorece a saúde do cultivo e pode ser chave no combate às mudanças climáticas

Com foco na biodiversidade, sistemas agroecológicos têm custo de produção menor e podem chegar a produzir 70 toneladas de alimento por hectare.

Você sabia?

A agroecologia é uma diretriz de práticas agrícolas que preconiza o incremento da biodiversidade, o baixo uso de insumos externos, a ciclagem de nutrientes dentro da propriedade, a eliminação do uso de agroquímicos sintéticos e o equilíbrio de todos os seres vivos que compõem o sistema agrícola. Para isso, uma das principais estratégias é o cultivo consorciado de diferentes espécies. As chamadas agroflorestas, por exemplo, reúnem espécies arbóreas e cultivos anuais agrícolas. Segundo a engenheira agrônoma Florence Castelan, um sistema agroecológico tende a ter plantas mais saudáveis, com potencial de produzirem alimentos de melhor qualidade.

Um estudo do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), com participação de Castelan, na época doutoranda da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, já mostrou que a biodiversidade beneficia diversos aspectos da produção de banana, chegando a reduzir em 40% a ocorrência de doenças na planta. A pesquisa foi feita na região do Vale do Ribeira, em São Paulo. “Como sistemas convencionais e agroecológicos são muito diferentes e têm muitas particularidades, tornando muito complexa a sua comparação, nós analisamos duas áreas de um único sistema convencional de monocultivo, tratado com adubos e agroquímicos sintéticos: uma área localizada no centro do cultivo e a outra na margem, onde 60% do perímetro é rodeado de mata nativa”, afirma Castelan.

As bananas colhidas no centro do cultivo apresentavam um estresse metabólico muito maior, com amadurecimento precoce e heterogêneo, e eram mais suscetíveis a pragas, enquanto as frutas colhidas no cultivo próximo à mata atlântica eram mais homogêneas (na aparência e no tempo de amadurecimento), duravam mais e tinham menos doenças. “Nossos resultados indicam que o monocultivo coloca a planta em uma situação de estresse e a biodiversidade adjacente à área de cultivo pode mitigar esse estresse, protegendo a planta de doenças e melhorando a qualidade das frutas”.

A pesquisadora explica que sistemas agroecológicos produzem frutas mais saudáveis do ponto de vista agroquímico – pois não se utiliza agroquímicos sintéticos – e possivelmente com mais compostos bioativos e nutrientes, já que a biodiversidade facilita a ciclagem de nutrientes. No entanto, tudo depende das especificidades de cada sistema. “A variação dentro de um mesmo sistema, seja convencional ou agroecológico, é tão grande que é difícil comparar e determinar qual gera mais nutrientes”.

Menor custo e alta produtividade – Por utilizar uma única espécie, o monocultivo resulta em uma maior pressão de pragas e doenças, além de aumentar a competição nutricional, já que as plantas buscam nutrientes na mesma profundidade do solo. Já o policultivo, que faz parte das diretrizes da agroecologia, proporciona menos competição por nutrientes, um custo de produção cerca de 15 vezes menor e um maior equilíbrio dos microrganismos presentes no bioma.

De acordo com Florence Castelan, a desvantagem do policultivo é a menor produtividade por espécie – no entanto, isso não significa que a produtividade é baixa: ela ressalta que sistemas agroecológicos podem ser tão produtivos (ou mais) do que os convencionais, chegando a produzir 70 toneladas de alimentos diferentes por hectare. “Existem diferentes consórcios com eficácia comprovada que já são utilizados, como abóbora, milho e feijão, conhecido como MILPA; ou cacau, coco e pimenta do reino, muito comum na Bahia”, diz.

Floresta multifuncional – Em relação à ciclagem de nutrientes e ao baixo uso de insumos externos, iniciativas voltadas para florestas multifuncionais têm ganhado força no Brasil, segundo a engenheira agrônoma, embora o sistema convencional ainda ocupe a maior porcentagem do território nacional. No sistema agroflorestal, o produtor terá algumas espécies que não necessariamente venderá, mas irá consumir ou utilizar para obter insumos dentro da própria fazenda.

“Se ele tem criação animal, por exemplo, pode aproveitar os resíduos dos animais para o cultivo e os resíduos do cultivo para o animal – seja para fazer cama, servir de alimento etc. Outra estratégia que tem sido utilizada é plantar espécies que produzam muita biomassa para usar no sistema, ajudando na adubação e na recomposição dos nutrientes do solo”, conta.

Trata-se de uma floresta multifuncional: pode servir para fornecer madeira ou outros insumos ao agricultor; trazer diversidade e segurança alimentar e produzir novos produtos, como geleias. Além disso, existe um ganho ambiental muito significativo com a fixação de carbono, essencial para mitigar as mudanças climáticas. “Essa mudança de paradigma de monocultivo para floresta multifuncional é a chave para aumentar a sustentabilidade dos sistemas agrícolas e pode direcionar o Brasil para se tornar um país melhor ambientalmente falando”, reforça Castelan.  


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